O amor que me perdoe

13 de novembro de 2018
você está lendo O amor que me perdoe

Foto: Flickr/Elâine Cristine

O amor que me perdoe – ele, você e este sábado. É que o cansaço já me pegou de jeito faz tempo. Cerveja? Não tem. Cigarro? Não tem. Tempo? Acabou a bateria. Mas não se preocupe, já coloquei para carregar. Agora só tomo café sem açúcar. Café doce me lembra você. E lembrar dói muito. Dói tanto que chego a nem sentir mais.

O formigamento dolorido me anestesia e meus sistemas o confundem com o meu imunológico. Querem destruir os agentes estranhos. Mas, meu bem, o único agente estranho aqui é você. Que chegou de repente e se tornou hóspede em meu coração. Depois, foi embora como quem não devia a hospedagem. Se ao menos tivesse mandado uma carta… Aquela carta! Ou se tivesse ido naquele domingo!

Agora está tudo tão confuso e atrapalhado aqui dentro. Isso só do lado de dentro. Porque, do lado de fora, está tudo muito habitual. Muito na paz. As pessoas fingem alegria para evitar explicações sobre a raiva que corrói suas mentes. Que esquenta suas cabeças. Caminham na rua, mas não percebem o azul do céu ou a chuva caindo sobre seus cabelos.

Os pássaros? O que são? Não sei bem. O amor que me perdoe. Ele, você e este sábado. O café acabou. Os papéis acabaram. As palavras estão se esgotando… A esperança, não! A esperança é autofagia. É alimento da minha sobrevivência. A minha profilaxia da completa loucura.

Cerveja? Não tem. Cigarro? Não tem. Tempo? Cinquenta por cento. Daqui a pouco te aviso. Mando um bilhetinho só para te lembrar da minha existência. Agora só como bolo de milho. Bolo de cenoura me lembra você. E lembrar dói muito. Talvez, se eu não fosse tão sentimental, doesse menos. Mas isso significa que o aprendizado seria menor também?

Vou fazer uma tatuagem com o nome “sentimental”. No quadril. Vai parar de doer depois dela. Meu bem, é bom demais ver essas folhas de Outono caindo no chão. Elas me lembram as estações. Me lembram que é preciso mudar. Com você, eu era Primavera. Depois Verão. Virei Outono. Vou ser Inverno.

Está chovendo aqui dentro. Daqui a pouco eu naufrago na minha solidão…

Mas, ao menos, a tua ausência não me deixou seca. Agora eu transbordo. E, daqui a pouco, encontro alguém para despejar esse amor todo. E, meu bem, não chore quando isso acontecer. Lembre que foi você quem quis assim. Talvez você encontre alguém na faculdade ou uma amiga de infância. Talvez ela venha a ser mais gostosa que eu. Talvez vocês sejam felizes. Tenham um filho. Tenham boas noites de amor.

O amor que me perdoe. Ele, você e este sábado. Está chovendo lá fora. Escuto apenas um grilo, o vento e as violentas gotas de chuva. Tenho vontade de sair. De deitar no meio da rua. E deixar a chuva arrebentar minha cara. Talvez doa menos. Tenho que aprender a me controlar.

Cerveja? Não tem. Cigarro? Não tem. Tempo? Noventa por cento. Se ao menos você ainda tivesse alma. Mas até disso você se priva. Eu quero alguém que abrace a vida com a alma. O amor que me perdoe. Ele, você e este sábado. Ainda não tenho cerveja e nem cigarro, mas tenho tempo.

Recebeu o bilhete?
Pois é. Não mandei. Não te quero mais aqui. Você só bagunça, e eu acabei de fazer faxina.

Estou comendo bolo de cenoura com uma xícara de café muito doce. Lembrar não dói mais. Fiz aquela tatuagem no quadril. Encontrei alguém para me abrigar na chuva aqui de dentro. A voz dele é chá de camomila na tempestade. A alma dele é gigante. Para combinar com a minha, que é uma montanha-russa. Meu coração sobe e desce, a alma brinca… e nem fico mais enjoada.

O amor que me perdoe. Ele, você e este domingo. Já não é mais sábado. E eu, que sempre quis um amor, acabei percebendo que, olha só, eu mesma sou um.

 

Por Kessia Myrelle, 20 anos, Bom Conselho (PE)
Quer ver seu texto no DDQ? Nos envie um e-mail!