você está lendo Como eu descobri que o tédio era necessário
Foto: Mariateresa Pazienza

Foto: Mariateresa Pazienza

Sábado à noite. Fazia tempo que não passava um sábado sozinha – e logo procurei alguma coisa para fazer. Sou dessas: se fico parada, parece que está faltando algo. Até pensei em pesquisar e ler sobre temas aleatórios, escrever textos, tirar fotos que estavam atrasadas… Mas algo me dizia que eu deveria me entreter de outro jeito e buscar uma fonte de diversão. Afinal, era sábado à noite. E havia um martelinho na minha cabeça me lembrando disso (até já escrevi coisa parecida por aqui) que funciona como um despertador insistente e fala com a voz da Siri: alô, é sábado à noite! Atenção, sábado à noite!

Foi aí que, rolando o feed para baixo e não encontrando nada de novo, tive a ideia de ouvir um podcast e cliquei no TEDx Talks. Aquela distração não seria nada tipo dançar horrores em uma balada, mas ok: eu aprenderia algo, ouviria alguém e me inspiraria de alguma forma – o que definitivamente me animou.

Escolhi o título “Como o tédio pode nos levar às ideias mais brilhantes” e dei play.

Neste TED, a jornalista Manoush Zomorodi fala sobre a fase em que ela, com um bebê recém-nascido e de licença em casa, não aguentava mais sentir tédio. O que Manoush fez? Comprou um novo iPhone, começou a fazer jobs pelo celular e pronto, tudo certo.

Só que, ao levar uma vida agitada e multi-tarefas, fazendo tudo ao mesmo tempo, um dia ela se deu conta de que estava difícil ter novas ideias. E percebeu que sua “última grande ideia” havia surgido durante aquele status inicial, quando reclamava de tédio e de estar fazendo nada, apenas empurrando um carrinho de bebê.

Depois disso, ela tratou do assunto das formas mais variadas. Contou sobre seu projeto, chamado “Bored and Brilliant” (algo como “entediada e brilhante”), de uma pesquisa que fez com várias pessoas e dos testemunhos de psicólogos, engenheiros da computação e outros profissionais de diversas áreas que concordam num mesmo ponto: o tanto que a tecnologia nos deixa cheios de opções, mas vazios de abstrações necessárias.

Isso é tão verdade que, naquele momento, me lembrei do tédio que estava sentindo antes e do sentimento de “preciso acabar com isso logo” que me consumia. Foi nessas que peguei o celular (neste caso, ainda bem, porque caí no assunto principal deste post, né?). Só que, se eu tivesse escolhido o Facebook ou outra coisa no lugar do tal app de Podcast, poderia ter passado três ou quatro horas ali e ido dormir – e então nada novo teria sido criado por mim. Não é louco?

Nós temos vídeos, filmes, séries e mais uma infinidade de coisas para colocar naquelas lacunas do dia que rendem minutos livres. Lembro de, quando criança, ficar no meu quarto olhando para o teto porque tinha enjoado dos meus brinquedos e não havia ali nenhuma televisão para passar o tempo. Agora, adulta, tenho uma “televisão infinita” no bolso e, por isso mesmo, deixo de lado essa contemplação do nada – que é de onde, justamente, podem brotar as nossas ideias mais incríveis.

É claro que, ao ler um texto ou ver um vídeo/filme sobre um tema legal que nos faz refletir, as inspirações surgem normalmente. Mas a gente passa a maior parte do nosso tempo ocupados com a parte boa da internet? Bem, eu não sei você, mas serei sincera ao dizer que, quanto à minha experiência, posso afirmar que não. Se eu fizesse uma separação rápida, muitos minutos seriam depositados no feed do Instagram, vendo recortes de uma porção de vidas.

Manoush, em sua apresentação, chega até a falar sobre um ponto crucial disso tudo: como teremos novas soluções, facilidades e criações no futuro se a nossa geração e as que estão vindo estão cada vez mais distantes do chamado ócio criativo?

O meu irmão de oito anos, quando está entediado, não fica olhando para a parede procurando coisas novas para inventar, como eu fazia quando tinha a mesma idade. Ele não pensa duas vezes e já abre algum aplicativo. Imagine um mundo em que todas as pessoas agem assim?

A gente está cortando o tédio pela raiz como se ele fosse completamente dispensável, mas não é. Na verdade, ele é super importante: como um primo da criatividade, um parente bem próximo que ela visita quase sempre quando sabe que ele está na área. Temos que nos lembrar disso e dar a ele o seu devido valor.

Depois que terminei de ouvir o discurso da jornalista, me permiti não fazer nada e considerei deixar um tempinho para isso durante a minha semana. Entendi que aquela sensação de desperdício de tempo, na verdade, era um ganho enorme. Eu estava parada, mas a minha cabeça estava funcionando – e rápido.