você está lendo Eu jamais entraria na transição capilar

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Cabelo enrolado. Irmã de cabelo liso. Eu escovava o meu para ficar igual ao dela e ele respondia da forma oposta: armava. Uma infância de cabelo preso. Na pré-adolescência, a euforia de quem ganhou a primeira chapinha. E assim seguimos, a chapinha e eu, até o início do próximo parágrafo.

No final do ano passado, quando a Bruna contou que tinha decidido assumir seus cachos, achei incrível. Eu vibrei quando ela fez o primeiro corte. Estava junto no segundo, o big chop. Ajudei nas pesquisas de vários dos posts sobre referências de cacheadas, assisti a todos os seus vídeos e até achava já que entendia sobre os diferentes cremes que ela usava.

E aí eu voltava para casa. Ao me ver no espelho, nem questionava: eram anos e anos fazendo progressiva e só eu sabia o que passava quando, no meio de caminho, lidava com fios armados, com duas texturas, bem difíceis. Assim que achei uma fórmula “perfeita”, que alisava totalmente o cabelo, não a larguei mais.

Mas era só isso. Eu testava alguns shampoos e não sentia diferença alguma além da fragrância diferente. Tinha pontas duplas que por anos me acompanhavam – eu já era amiga delas, simplesmente tinha que ter cabelo longo, não queria saber de cortar. Eu saía nas fotos com os fios no modo “ok”: não havia movimento, mas, ufa, também não tinha o temido volume do qual sempre fiz questão de fugir. Então estava tudo bem. Às vezes até passava pela minha cabeça “imagina só se eu largasse a química e a chapinha também?”, mas eu logo tratava de responder a minha própria suposição: o meu rosto não fica bom com cachos como o da Bru.
O meu nariz ficaria em evidência, diferente do dela.
Eu tenho muito mais cabelo do que a Bruna.
Os meus cachos são muito diferentes.
Não, não tinha chance ALGUMA de ficar legal.

Continuava alisando.

Só que, nesse mundo de transição (do qual eu não fazia parte, mas estava imersa por conta de quem me rodeava), comecei a participar de alguns grupos sobre beleza natural. Para fazer posts mesmo, sabe? Neles, aprendi bastante sobre compostos que fazem mal para a saúde e era inquestionável que as tantas substâncias esquisitas da minha progressiva não fariam bem para mim. Foi então que decidi parar com ela – e ficar apenas na chapinha. Aí ok, né? Liso sem perigo.

Fiquei alisando assim por alguns meses até que, já com a raiz de cabelo natural, meus braços doíam cada vez mais por ter que passar horas fazendo tudo aquilo – e também sempre tinha que acordar mais cedo para dar um jeito nos fios. Não que a sensação fosse desconhecida: desde os 13 anos eu passava por isso – mesmo que fosse para ir à escola. Pensei de novo na transição. Ignorei. Não era pra mim.

Numa das vezes em que fui para a casa da Bru, ela me deu um shampoo e um condicionador para cabelos enrolados da Salon Line para eu testar. Comecei a usar, mas percebia que não me ajudava em nada na hora da chapinha, aliás, só atrapalhava. Só que, sim, sou dessas que não quer perder produto – haha -, então comecei a lavar e deixar natural, já que era o jeito. Esse tal natural era todo esquisito, com um liso remanescente de química que ia para diferentes lados.

Até então, dois obstáculos e uma garota querendo economizar. Durante a semana, comecei a deixar o cabelo natural, já que trabalho em casa e ninguém me vê por aqui. Aos sábados e domingos partia pra chapinha de novo ou prendia tudo num coque. Até que, um dia, olhando para os fios no espelho, pensei: quer saber? Vou cortar essa parte lisa só para ver no que vai dar.

Cortei. Cheguei em casa e percebi que tudo estava bem próximo das experiências que tanto acompanhava na internet: será que estou na transição? Estar na transição é isso? Postei uma foto minha no grupo do blog e experimentei dizer que estava cortando para deixar enrolado. Eu nem sabia se estava, mesmo, porque não tinha pensado a fundo no assunto. E aí vieram algumas meninas me apoiando. Elas me diziam que, com a finalização certa, iria cachear. Diziam que o novo comprimento estava legal e que era para eu continuar. Falaram até que ficaria bonito! Foi tão legal ter esse apoio que, pela primeira vez, pensei de verdade nisso e decidi seguir.

Passou-se um mês e deixei a chapinha no quarto da minha mãe, bem longe de mim. Fui sobrevivendo com coques e babyliss. Foi aí que decidi me sentar de novo na cadeira da cabeleireira e falar: corta o máximo da química que você conseguir. 

Quando cheguei em casa com os fios curtinhos, me sentei em frente ao espelho e comecei a fazer no meu cabelo aquilo que via a Bru fazendo no dela. Estiquei cada mecha com o creme e o gel que ela também já havia me dado, amassei com as mãos e amassei com uma camiseta de algodão. Cada sombra de cacho me fazia gritar pra minha mãe: olha, tá ondulando!

Sim, o meu cabelo ficou todo ondulado. E surpreendentemente, eu nunca me senti tão bem comigo mesma. Depois de um tempo, ao secar, ele começou a armar um pouco e perder a forma, mas eu nem ligava, aquela primeira imagem estava fixa em mim: tinha ficado ondulado e eu que consegui deixar daquele jeito, sem nenhum equipamento! Quando dormi e acordei no dia seguinte, ele estava todo esquisito de novo, mas nem liguei, repeti o processo e fiquei com um sorriso de orelha a orelha.

Parecia mágica. Ao ver os fios encaracolando, nada mais importava: se ele estava curto, longo, para um lado que eu nem curtia muito, dando volume ou não. Se antes eu achava que não funcionava para o meu rosto, agora eu nem reparava nisso, o foco era o cabelo. Eu agradecia e vibrava com cada ondulação que ele fazia. Me sentia bem, inexplicavelmente.

E toda a minha história é para dizer que, sim, afirmo: eu jamais entraria na transição capilar.

Jamais porque, você viu, eu entrei não por conta de uma simples decisão – as coisas foram acontecendo até que me vi dentro disso. E conhecendo muito bem o meu eu de alguns meses atrás, tenho certeza de que não tomaria essa decisão: eu não achava que aquilo era para mim. Não tinha provado dessa sensação maravilhosa, achava que ela não era possível. Você entende o ponto? Se as circunstâncias fossem diferentes, eu jamais teria assumido o meu cabelo natural e, bem, eu sei que, por mais que estivesse acostumada com o cabelo liso, nunca senti o mesmo, nem nos dias em que ele estava recém-escovado e aparentando estar bonito. Me sinto bonita agora. E não tenho a menor vergonha de escrever isso aqui!

Esquisito, não é? O padrão vai ficando tão enraizado na gente que, mesmo lendo tanto, conhecendo tanto, vendo tantas meninas e resultados satisfatórios, mesmo assim eu conseguia me diferenciar e achar que o problema era o meu cabelo, algo específico meu que ninguém jamais entenderia e que nunca ficaria bom com sua textura natural.

Hoje eu me olho no espelho e gosto tanto do que vejo, tanto. Quando alguns amigos falam “ai, mas eu prefiro liso”, consigo deixar isso de lado e responder que estou curtindo ele assim. Quando o meu irmão de oito anos fala “parece que você acabou de acordar”, respondo “está lindo e estou amando!”. Eu não tô nem ligando!

Se posto uma foto no meu Instagram e alguém comenta com um elogio, abro um sorriso enorme e largo a modéstia para dizer que amei também. Quando passo uma máscara de hidratação e consigo notar nitidamente o efeito dela, me sinto mais contente. E o tão temido volume? Se consigo fazer com que o cabelo ondule ou forme cachos, fico 100% nem aí caso ele esteja dando as caras.

Eu estou feliz de um jeito que nem imaginava. Antes disso, eu pensava que sabia das vantagens todas da transição capilar por ver influencers e amigas como a Bru passando por ela.

Eu não sabia de nada. 

Se me contassem que era possível sentir essa sensação de ter algo tão meu, que fala tanto sobre a minha personalidade e me dando tanta liberdade, eu não teria como concordar – porque não tinha provado disso. Agora eu provei e posso dizer que não existe nada igual.

Estou firme e forte na transição e essa foi a melhor coisa que me aconteceu este ano. Quem diria!