você está lendo Ao meu cabelo, finalmente, com carinho
Reprodução/Tumblr

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Sei que já brigamos muito.

Quando eu era criança, tentava fazer você ficar escondido – só porque era diferente dos demais. Depois, me irritava com o que via no espelho e colocava mil defeitos: o frizz, o volume, a quantidade… Tudo era motivo para me imaginar com um cabelo igual ao da menina do filme. Naquela época, para mim, aquilo ali era bonito. Já você, não.

Errei feio e reconheço. Demorou para eu te aceitar e perceber que não há problema algum contigo. Me cansei de tanto que tentei te mudar: investi caro em promessas falsas de que você ficaria completamente diferente do que era. Sem contar o cansaço físico de ficar horas e horas com os braços para cima, mexendo em você que, coitado, teimava em não cooperar com meus planos malucos. Às vezes, você até aparentou chegar a algo próximo do que eu queria, mas, por essência, não era realmente você.

Atualmente, eu vejo que não havia nada de errado contigo. É claro que você não precisava ser exatamente como nasceu durante toda a minha vida, afinal, eu mudo de gostos e vontades constantemente e te deixar com texturas e cores diferentes foi importante no processo de construção da minha identidade. Mas o que eu percebi é que eu não precisava te tratar tão mal.

Te zoar, dar adjetivos ruins, falar para os outros o quanto não gostava de você era só um pouco do que eu fazia. Que besteira! Me revoltar e travar nossas batalhas diárias não nos levou a nada, só me fez deixar você ainda mais fraco e esgotado após tantos dias de luta. Ao invés de me impor, eu me deixei levar.

Não tinha porque ter aquela forte predileção pelo cabelo dos outros enquanto você esteve sempre ali, reafirmando minha beleza e me fazendo ser um pouquinho mais eu. Mas é que, entenda, quando falo de beleza, compreendo que, nessa época, havia uma venda em meus olhos, que não me deixava ver as coisas assim. Quando olhava para o espelho, não conseguia ver a sua graça, só notava a diferença e acreditava que ela era ruim.

Eu só queria que você fizesse parte de um padrão. Igualzinho aos fios que apareciam nas séries, nos filmes, que tinham nas bonecas e estavam na televisão. Que besteira! Você sabe que é incrível e, olha, um segredinho nosso: é assim justamente por ser diferente.

Me desculpe por tentar te transformar nesse tal padrão. Hoje não há mídia que me convença de que preciso te deixar igual a exemplos e modelos. Respiro aliviada por ter percebido isso a tempo. Gosto de você mais do que qualquer um, respeito seus limites e você atende minhas vontades – que condizem apenas com a minha alma, livre de qualquer influência dominadora.

Continuamos com nossas aventuras, mas, agora, estamos em completa sintonia.