19 de dezembro

31 de outubro de 2012
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19 de dezembro de 2013. Meu Deus, como o tempo passou rápido. Se tudo tivesse sido diferente desde o começo, hoje, nós completaríamos exatos seis anos juntos (dois como melhores amigos). Era impossível olhar no calendário e não reparar naquele número. Eu ainda conseguia me lembrar das vezes em que esquecemos de comemorar a data do “aniversário mensal” de namoro. Tão distraídos as besteiras do dia a dia. Mas tudo bem, sempre nos perdoávamos pelo erro, afinal de contas, ainda tínhamos todos os outros dias para fazer isso. Diferente de agora.

Enquanto prolongava os minutos na cama, desobedecendo o despertador, voltei no tempo. Para ser mais preciso, o dia em que nos despedimos de vez. Lembro que eu estava empolgado com minha nova vida. Mudar de cidade, fazer estágio, entrar na faculdade… tudo seria perfeito se, por culpa do destino, seu futuro não fosse em um lugar tão longe. Até aquele momento não tinha ideia no quão difícil seria. Alguns meses antes, quando imaginava a despedida ou quando alguns dos nossos amigos perguntavam como seria, me convencia, de um jeito muito egoísta, que algo surpreendente aconteceria antes. Um furacão. Uma proposta irrecusável mais perto. Uma ordem da família. Mas no fundo, sempre soube que seu talento era grande demais para aquela pequena cidade. Que mais cedo ou mais tarde alguém descobriria e te roubaria de mim.

Eu te admirava muito. Acreditava que era a garota mais sensível que eu poderia conhecer nessa vida. Não é pra menos, né? Você sempre surpreendia todos ao redor com seus planos para o futuro. Para você, com certeza, não existiam limites. Já, infelizmente, para o que eu sentia… Não me entenda mal. Eu não sabia o que fazer com tudo aquilo que quase explodia dentro do meu peito. Era tão estranho imaginar que algum tempo depois você simplesmente viraria a página em que escrevemos, nos últimos anos, nossa história. Eu não queria fazer parte só das suas lembranças, mas também não queria dividir o futuro com ninguém. Nenhum detalhe. Principalmente com pessoas que tenho certeza, teriam uma vida bem mais interessante que a minha. Você sabe, aqueles seus amigos da internet. Ainda sinto um pouco de ciúmes quando penso que você conheceu, conversou, enfim, foi você, com cada um deles.

Isso me fez ter um repulso enorme de tudo que tivesse a ver com o seu futuro. Você vivia me cobrando um pouco mais de companheirismo. Mas como eu poderia me sentir feliz por saber que a cada boa notícia, mais concreto a ideia da mudança se tornava? Hoje sei que foi besteira, mas enfim, aquela minha antiga versão pensava assim. Aquela minha antiga versão agia assim.  Não entenda mal. Jamais torci para o seu fracasso. Eu apenas acreditava que sua vitória seria mais feliz se estivesse ao meu lado. Mas hoje penso e admito, eu queria sim você do meu lado. Mas ainda não estava verdadeiramente do seu lado.

Peguei a chave do carro e fui até sua casa. Não pude deixar de lembrar que aquela era a última vez que eu faria aquele caminho para te encontrar e te beijar, abraçar, apertar… Você morava do outro lado da cidade. Desde que nos conhecemos, fiz aquele trajeto pelo menos umas mil vezes. Aliás, agradeço até hoje a Joana por ter nos apresentado naquela festa chata que acabou se tornando uma das mais importantes da minha vida. Você estava tão linda com aquele vestido estampado. Não consegui tirar os olhos por um minuto. Depois, lembro de ter me esforçado bastante para conseguir ser seu amigo por tanto tempo.

Toquei a campainha e logo escutei o latido da sua cadelinha barulhenta. Ela me olhou da janela e logo reconheceu. Respirei fundo e pedi, fazendo aquela voz que você sempre fazia, para que ela chamasse logo a “mamãe”.

Dessa parte em diante as coisas ficam embaralhadas na minha cabeça. Como o final de um filme ruim. Quero dizer, um final sem final feliz. Acho que fiquei tanto tempo tentando bloquear isso da minha memória, que por defesa, fantasiei coisas. Criei duplos sentidos nas frases que dissemos e nos olhares que trocamos. Era mais fácil acreditar que você já não gostava tanto de mim como no começo do namoro. Que nós conseguiríamos voltar a ser só amigos algum tempo depois. Enfim, criei desculpas que justificam minha escolha: terminar.

Esse foi nosso combinado. Sem dores. Nós simplesmente não ficaríamos mais juntos, como namorados, mas continuaríamos conversando e trocando respondências online.  Acho que nas últimas semanas você queria desistir dessa bobagem. Mas eu, já convencido e no fundo um pouco ansioso para minha nova vida, te convenci que era melhor daquela maneira.

Definitivamente não foi. Eu senti sua falta cada segundo nos dias seguintes. Como já era o previsto, mudei também pouco tempo depois. Faltava pouco o para o inicio das aulas e logo em seguida, finalmente começaria o estágio na Light, maior companhia de energia elétrica da região. A cidade era diferente. Isso me fazia acreditar que não existiram lembranças de você. Ah, como eu estava enganado. Cada coisa nova que eu via ou vivia, me dava uma vontade enorme de compartilhar com você. Não no seu mural. No seu ouvido. Aliás, por favor, qual é a marca do seu perfume? Eu senti ele em todas as garotas que me aproximei nos três meses seguintes.

Os meses foram se passando, e a falta de convivência e os ciúmes que foram surgindo (duvido que eram todos gays naquela festa), fizeram com que em menos de um ano, nos tornássemos apenas desconhecidos. Triste, mas real. Você tinha sua nova e perfeita vida. E eu ainda continuava andando com os nossos mesmos amigos, fazendo absolutamente as mesmas coisas de sempre. O que tornava tudo ainda mais complicado. Afinal de contas, minha vida não tinha mudado tanto assim. E tenho certeza, na sua agenda não sobrava sequer um minuto para pensar em mim.

Depois de quase um ano conheci uma garota de verdade. No trabalho. Ela era diferente das outras que tinha me envolvido até então. No começo até comparei com você em uma coisa ou outra, mas depois, descobri que ela era especial e tinha suas próprias peculiaridades. Ficamos juntos por um bom tempo, me diverti bastante, e adivinha? Em uma noite assistindo um filme que não lembro direito o nome, no sofá do meu apartamento, disse o primeiro “eu te amo” depois de você.

Ela me deu um beijo demorado, disse que também me amava. E aquilo me confortou por dentro. As coisas estavam caminhando. Com certeza o sentimento não era ainda o que construímos no tempo em que passamos juntos, mas eu sabia que aquela garota me faria muito feliz. Era uma questão de amar o futuro um pouquinho mais do que eu amava – e sentia falta do – passado. Ou melhor, de você.

Dei espaço e ela entrou na minha vida de vez. Acredita que ela até se tornou melhor amiga da minha irmã? Viajamos junto com a família toda para o nordeste, nas férias de 2011. Foi com certeza um dos melhores momentos da minha vida. Tudo era tão colorido e real. Nada de lembranças. Era um presente do presente.

Queria te contar agora um final feliz, mas isso só seria possível se em uma madrugada de agosto, eu não tivesse inventado de ir em uma exposição que estava acontecendo na cidade vizinha. Se não me engano, já fomos nela alguma vezes. Ela, ao contrário da senhorita, adorava uma festa. Não perdia a oportunidade de ver pessoas e encontrar amigos. Topou na hora e ficou pronta em 20 minutos. Passei de carro, e pegamos estrada. Queria colocar uma música legal para já irmos entrando no clima. O show principal era do Skank. Pedi então para que ela se abaixasse e pegasse os CDs do meu pai, que como você deve lembrar (ele não mudou nadinha), ficavam escondidos debaixo do banco de passageiro. Nesse segundo, apareceu na estrada um cachorro branco, e o pior aconteceu. Para desviar, joguei o carro para a direito e batemos com tudo em uma árvore enorme. O carro estava em uma velocidade considerável, mas com cinto, nada teria acontecido. Só que graças a mim, ela não estava mais usando. Isso mesmo, a culpa da morte dela foi totalmente minha.

Aquilo parecia um pesadelo. Cena de filme de terror. Eu deveria ter morrido no lugar dela. Queria pegar a dor dos pais dela, no velório, e injetar no meu peito. Ficar de luto eterno e nunca mais sair do meu quarto. Mas na vida real, não é assim, né? Tive que abrir as cortinas. Fui para o trabalho e juro, nunca achei que me sentiria daquele jeito de novo. Na verdade, era ainda pior. Acho que a gente só esquece de verdade a dor de uma antiga lágrima quando deixamos outra escorrer. No meu caso, o destino me obrigou a deixar.

Abri os olhos assustado. Tinha ficado pelo menos 40 minutos ali na cama. Escrevendo, mentalmente, uma carta para alguém que eu nem sabia mais se ainda se importava comigo. Levantei com um pulo, e corri para o banheiro. Liguei o chuveiro e, enquanto a água molhava meu cabelo, me perguntava, o que será que minha ex primeira e agora única melhor amiga estaria fazendo naquele exato momento? Com certeza, se eu ainda tivesse coragem de ligar, ela saberia exatamente o que dizer.