C(S)into

19 de maio de 2011
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Puxo o cinto de segurança, e prendo do lado esquerdo. Acima o meu peito, a faixa que promete me assegurar de acidentes e maledicências – ironia quem sabe, por estar ao seu lado e isso me fingir uma proteção (frágil). Sem me mover, assisto à toda sua concentração em analisar a vaga, retirar o carro, trocar de marcha, e ter cuidado ao virar o volante; o abano ao porteiro do prédio. É dia, e a cidade ainda vazia. É cedo, e o silêncio matutino parece fazer com que tudo pare apenas para nos assistir. Nessa manhã onde desde o gosto na boca, o sabor de diferença impera os sentidos . De acordar e em silêncio, te observar também quieto, vendo quem sabe esse meu lado que tenho e não revelo – de ser calada, quando convém. Pensar que é verão, e mesmo o calor insuportável lá fora, com você as paredes que nos cercam traduzem a amenidade que sinto, nessa sua presença leviana. Ver você em mim sumindo, da minha vida se tornando cada vez mais turvo, inexistente, é querer abraçar com todas as forças os últimos momentos, os minutos finais, e você bem forte, para quem sabe nesse enlace te reavivar para nós, te reafirmar para mim: não te perder nesse baú do inconsciente, que chamamos memória. Quando você me largar na frente de casa, e parar por segundos para me gravar para os tantos dias que irão nos separar, vou querer ficar nesse momento tempo demais do que ele na realidade dura. Sei que fantasiarei como quando se você estivesse aqui, e eu pudesse pegar a sua mão e caminhar pelos jardins, por entre as praças que, silenciosas, nos ouviam passar colorir os desvios dialogando idéias e subterfúgios. Noites em que, com a inspeção dos seus olhos, deitei a cabeça no braço do seu sofá, e quase adormecida, sentia a completude de todo esse patamar; que desbravo sempre, e até me surpreendo – mas que não suporto ser sempre descoberta e encantada, para logo depois lidar com essas perdas que nem ao menos sei se algum dia me pertenceram realmente. Nesse seu carro que mais flutua que anda, a sensação é de estar à caminho do céu, e frear bruscamente na esquina da minha casa, quase no estacionamento ao lado. Parada obrigatória, falha mecânica, falta de combustível. Eu presa; não tanto pelo cinto, mas por você e esse seu jeito pacato de não dar bola pra nada na vida, enquanto eu sou a preocupação excessiva, o caos em forma humana – uma aflita explosão. Presa fácil, que você rodeia, rodeia, faz de distante e surpreende quando perto, mas cativa. Mesmo irresponsável, cativa. Sua voz que abranda e diz: tenha um bom dia. Enquanto tudo que o pensamento consegue concluir é que, sem você, dia nenhum vale a pena ser condecorado na agenda com frases sem nexo, apaixonadas. Estancada no que sinto, e faço questão de não falar, apenas pensado: não vai, não vai, não vai. Mesmo assistindo à tantas partidas, dizer esse adeus é a fala que não me sai da boca, o sentimento de perda que não aprendi a abrigar. Sendo tantos, não aceitando mais da metade.

Minhas mãos entrelaçadas no final do seu cabelo, como quem não quer soltar um momento, mais uma pessoa, alguma existência que a vida tem me ensinado, e eu, fiel aluna, compreendido. Sem aguentar mais uma perda para aviões lotados, e cidades imundas. Nesse abraço que dura tanto tempo que pessoas surgem, carros buzinam, e a cidade volta ao ritmo enlouquecedor de todo dia que não é santo mas faz calendário, é que a gente se prendeu por algum momento que me faz ainda pensar se a volta algum dia foi marcada e o aviso ainda não chegou aqui. Por enquanto, me sinto carcerária: pouco por essa faixa que me prendeu de você, em seu itinerário; muito por esse sentimento que brotou e me preencheu, na hora menos esperada. Com as chaves em mão, volta e me busca, moço. Tira essa melancolia que deixou na liberdade provisória que me autoconcebi, traz no regresso algum sentido pra essas idéias que se não são em você, se tornam todas desviadas, tiros ao léu. A sua alegria, a minha espontaneidade. Sua calmaria, o meu furacão. Volta que perder tempo é burrice, você é saudade, e momentos como aquele, o meu chão.