você está lendo Despedida da adolescência
Foto: Flickr/Ravi Nadha

Foto: Flickr/Ravi Nadha

Despedidas são boas porque são simbólicas. Representam um marco, pontos de restauro – assim como num computador. Só que elas não funcionam como em uma máquina. Despedidas são aniversários sem anuidade.

Se precisasse me despedir da minha adolescência, escreveria uma carta:

Amigos, mudei. Escrevo para contar as novidades, mas não para esclarecê-las. Quero tirar de mim o sonho que toda noite vem fazer cobranças. Lembro de vocês, um por vez, e lá estou ao seu lado, ouvindo seu discurso passado. Talvez vocês também tenham mudado, e nem de “amigo” sei se posso lhes chamar. Já não há telefonemas ou convites no portão de casa. Não culpem a internet – nós já nos estragamos antes.

Aprendi que existem mais caminhos do que gente no mundo, aí simplesmente parei de acreditar numa única possibilidade (se é que isso aconteceu). Além da ânsia, senti prazer. Além da insegurança, aprendi a confiar um pouco mais em mim. Isso não quer dizer que acredito ser superior, apenas estou melhor para mim… e talvez melhor para os outros. Não quero fazer nenhuma propaganda de “algo” que mudou radicalmente a vida.

Não me arrependo, sabe. Se não fosse a guitarra elétrica, o pseudo-anarquismo, a escrita e o desejo de mudança inconformado, não teria sido eu. Hoje, eu bem que poderia ser alguém que se enoja de tudo o que é contrário ao esquema perfeccionista da estética e da lógica.

Acontece que assumo que me arrumo mais – mas o cabelo e a tatuagem não me tornam menos profunda. Acontece que me cuido mais – mas a água e o tapetinho de yoga não constroem verdadeiramente a alma. Acontece que eu posso escrever “alma” sem me preocupar com o quanto isso soará conectado a uma crença de existência divina. Acontece que eu posso dizer “não” e “sim”, sem necessariamente precisar me explicar ou analisar.

A adolescência foi tormenta de brigas com os pais, queridos pais, hoje mais amigos do que qualquer amigo que já acreditei ter. Entretanto, o confronto me construiu crítica: foi depois, quando deixei a minha cidade natal, que comecei a crescer.

Custou a entender, mas me compus nova. Espero que vocês ainda estejam se compondo, pois é uma grande tristeza ver as pessoas nas mesmas vidas quando estão na mesma reclamação – e talvez por isso nunca mudem.

Hoje tenho tantos invernos, mas ainda me esqueço da idade quando perguntam. Às vezes eu tenho 12 e vou jogar no computador; às vezes tenho 16 e penso no sentido da vida; às vezes tenho 18 e o futuro próximo ainda está incerto; às vezes eu tenho 15 e simplesmente não me importo.

Talvez o nosso maior erro tenha sido acreditar que éramos diferentes, uma alternativa à dada realidade, quando apenas repetíamos os estereótipos dos quais não gostávamos. Os amores, inclusive, nunca foram amores intensos, mas eram cheios de ansiedade – e representavam o teatro de nossos conflitos individuais.

Quando encontro alguém com menos de 17 anos, vez ou outra, bate à memória um momento da adolescência, dos ensaios das bandas ruins, de matar aula, de debater questões sobre o infinito desejando suas resoluções numa única noite.

A primeira década do século está fervendo, e nós não precisamos morrer de desgosto. É preciso insistir.

 

Por Patrícia Leardine, 29 anos, Cerquilho (SP).
Quer ver seu texto no DDQ? Nos envie um e-mail!