você está lendo O show não estava no palco
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Foto: Reprodução

Eu não tinha a menor noção de como a minha noite se desenrolaria.

Não sou muito de ir a shows ou festivais de música. Se eu contar cinco ou seis numa vida inteira, acho que é até exagero: não é lá o tipo de passeio que faço com tanta frequência, ainda mais em uma época em que eu andava tão para baixo. Só que aquela banda nova da qual o pessoal vivia falando era realmente legal e iria abrir um festival aqui na cidade. Bom, nós decidimos ir.  

Algumas horas antes de sair de casa, coloquei uma playlist para tocar. Eu mal sabia que minha tarde seria tão corrida e, no fim das contas, sobraram humildes 40 minutos para eu me arrumar.

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Foi uma correria grande: sair do banho, escolher uma roupa boa, fazer uma maquiagem que prestasse. Quando é corrido assim, sempre fico achando que faltou algo, que o meu sapato não está legal, que poderia ter colocado uma saia diferente, virado a franja para o outro lado… Mas aí vem a buzina na porta de casa, uma campainha soando ou o interfone que toca.

Oh, oh. Tempo esgotado – hora de sair.

Já no caminho, minha amiga me disse que ele estaria lá – isso diminuiu em uns 70% a minha vontade de ir. Queria não ser deste jeito e me comportar como aquele tipo de pessoa que não liga pra ninguém ao seu redor e que estampa a mensagem “who cares” na cara, se divertindo sem olhar para os lados.

Ligar menos, pensar menos, ou ainda melhor, lembrar menos.

Mas, no jogo da vida, eu ainda não adquiri estas habilidades. Pfff… Por isso, até relutei: não dá para vender os ingressos no grupo do festival e ir a um cinema, algo assim?

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Certo, não dava. O lugar não era muito longe de casa e, em poucos minutos, antes que minha cabeça esquecesse do que havia descoberto no início do caminho, chegamos. Aí foi aquela luta para tentar me animar, o que não deu muito certo – eu acho mesmo que devo sofrer de algum tipo de síndrome de mente teimosa, ou sei lá qual é o nome que isso possa ter!

Quando eu o vi por lá, a sensação piorou ainda mais. É difícil ter tantas memórias em comum com alguém e partilhar sonhos para depois ver que o cara é um tremendo babaca e passa ao seu lado como se nenhum dos dois se conhecessem. É estranho.

Minha amiga me puxou e fomos para outro lado: o nosso show logo começaria. E foi bem o que aconteceu, a banda entrou no palco e a música começou a tocar, alta, animando todo mundo. Era tão bom! 

Minhas expectativas sobre aquela noite, que estavam tão baixas, coitadas, começaram a crescer logo quando o primeiro refrão soou. Eu olhava para todas as minhas amigas ao meu lado e elas estavam praticamente na mesma sintonia, curtindo tanto quanto, aí vi que não tinha motivo algum para deixar a cabeça parada em alguém que não merecia. Eu só estava atrasando a minha vida. Quer saber? Tchau.

Se eu pudesse tirar os sapatos para aproveitar ainda mais, os tiraria. Mas, na verdade, o que eu retirei foi tudo aquilo que há tempos vivia alojado na minha mente: as mágoas estavam finalmente indo embora. Eu estava me divertindo e aproveitando, sem ligar para nada ou ninguém.

E foi bem aí que ele chegou.

Não ele, mas uma outra pessoa. Acredita? Tão lindo. Eu nem havia notado a sua aproximação.

Não sei ao certo quanto tempo ele ficou ali do nosso lado, mas, quando me dei conta, ao mesmo tempo em que pareciam poucos minutos, também pareciam décadas. Ao fim do show, quando a banda terminou o seu bis, eu já conhecia seus olhares, seus sorrisos e seus gritos de empolgação, afinal, havia gritado vários refrões ao seu lado. Meu coração acelerou. Fiquei nervosa. Engraçado, não sentia isso há um tempão.

Ele parecia tão legal! Conversamos por alguns minutos e me senti em outro lugar. Diferente. Tranquilo. É doido que, há pouco, eu estava me importando tanto com outro alguém – que não tinha mais espaço algum em minha vida.

Foi como se duas horas tivessem sido dois anos: via-se ali uma nova versão de mim e, sem nem me dar conta disso, uma nova “eu” se percebeu disposta a recomeçar.

Quando deu o horário do segundo show, o som voltou a preencher o lugar e olhares bastaram. O que parecia bom ficou ainda melhor. O show já não estava mais no palco.