você está lendo Entre aspas: Do lado de cá

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Precisei atravessar um oceano, riscar meu corpo, colorir meus cabelos. Tive que abandonar seguranças e certezas, amigos e família. Deixei para trás emprego, casa, travesseiro, língua, lembranças e passados que não passavam. Deixei meus amores, tantos que me deixaram um buraco. Deixei minhas paixões, tolas, que só me fizeram ver que o buraco era eu.

Precisei me afastar de tudo o que eu amo para me amar, precisei mudar completamente o que eu sou pra me ser.

Aqui nessa cidade gelada, verde e cinza, planta e prédio, tantas pessoas de tantos lugares. Aqui onde posso confundir domingo e quinta-feira e gastar minha meias no chão de casa. Onde as horas são minhas e as escolhas também. São tantas as novidades todos os dias, novos rostos para novos começos. Tantas línguas e culturas. Tanta gente e tanta solidão.

O momento que era de fim se fantasiou de começo e me permitiu começar. O ano em que tudo acabaria sobreviveu e eu sobrevivi. A vida me chamou, bagunçou meu mundo, virou minha existência de cabeça para baixo, decapitou minha existência. O fim virou começo. E eu me permiti começar.

Sobre o autor: Verônica Heiss – também conhecida como Verônica H. – é um personagem ficcional (heterônimo) que surgiu em meados de 2005. Sua autora, de identidade desconhecida, nunca revelou muito sobre si. (…) Verônica surgiu como um escape, uma máscara. Foi a maneira que a autora encontrou de expor sentimentos sem expor sua identidade ou até mesmo de falar sobre sentimentos que não eram seus. “Eu escrevia algumas coisas e me perguntavam se eu estava mesmo triste ou apaixonada e por quem. Não, eu não estava. Não eram meus sentimentos. Mas de quem eram, então? Eu precisei nomear alguém para tomar as dores do que não me doía.” (…)”Não vejo motivo no momento para isso acontecer. Tem coisas que eu digo que só a dúvida torna universal. É justamente o fato da Verônica não ter uma idade, um local onde vive ou uma opinião absoluta que a torna um pouco de todos nós. Porque na verdade todos nós somos obrigados a negar as várias idades que temos: ora somos novos e imaturos, ora somos velhos e sábios, pertencemos a vários lugares e somos essa incrível contradição. Verônica veste contradição e sai na rua, é fácil se identificar ou se inspirar nisso.”

*Na tag “entre aspas” divulgamos textos de autores brasileiros. Escreve? Deixe seu link nos comentários. Quem sabe seu trabalho não aparece aqui no blog Depois Dos Quinze?