Sardinhas

04 de março de 2013
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Que bonitinho. Você tem pequenas sardinhas no nariz. Desse ângulo, com luz do sol que entra pela janela entreaberta, elas parecem menos tímidas. Como se só agora, estivessem prontas para mim. Ou talvez, ontem, eu estivesse ocupada demais para reparar. Ocupada me apaixonando perdidamente por você. Não que eu não fosse antes. Não que eu não fosse sempre. Mas é que agora, é diferente. Não foi alguma coisa específica que você disse. Também não foi alguma coisa que você fez. Foi um estalo. Não dos seus dedos. Um estalo dentro de mim. Depois de tento tempo duvidando, entendi. Não existem regras para o amor. Ele nunca acontece duas vezes do mesmo jeito. Então, quando finalmente parei de te encaixar no meu passado, compreendi que você combina mesmo é com meu presente. Tempo em que não por acaso, vivo atualmente. Ao seu lado.

Agora bateu um medo imenso de estragar tudo. Uma insegurança que não sinto há séculos. É como se eu fosse uma adolescente bobinha indo ao cinema dar o primeiro beijo. Por que diabos foi lembrar dessa dia? Sabe, fico pensando, existem tantas garotas tão melhores por aí. Tão mais, digamos, apropriadas. Porque você escolheria meu número na agenda? A minha janela para passar a madrugada jogando papo fora no facebook? O meu apartamento, para estacionar em frente e passar a noite? Me explica, meu bem, quais são suas reais intenções? Porque eu não tô de brincadeira. Você sabe. Não é meu estilo ficar com alguém só por ficar. Quando eu amo, enquanto eu amo, é de verdade.

São dez da manhã e você acabou de ir embora. A chave ainda faz barulho na porta. Seu cheiro está no meu travesseiro. Ou seria no meu corpo e cabelo? Coloco aquela música para tocar enquanto organizo a casa e danço feito louca na frente do espelho. Coisas pelo chão, pia lotada e televisão ligada na Globo. Está passando algum daqueles programas que minha vó ama. Droga. Bateu saudades dela agora. Sinto um nó na garganta ao perceber que faz tempo que ela se foi. Fecho a geladeira, pego pacote de Fandangos e coloco o notebook na mesa da sala. Minha tela inicial é uma foto do filme 500 dias com ela. Meu preferido de todos os tempos. Entro no site de busca e digito seu nome sem querer. Droga. Era para ser o nome daquele site para quem está buscando empregos. Escrevo uma listinha de telefones, faço algumas ligações e em menos de uma hora, estou entrando no metrô.

São dezenas de pessoas passando por mim. Apressadas. Como se estivessem atrasadas para alguma coisa muito importate. Talvez nem tão importante assim, pois estão vestindo umas roupas, digamos, estranhas. Ignoro o mundo ao meu redor e coloco o fone de ouvido. No automático, pego a direção, faço baldeação e finalmente, chego no meu destino. É um prédio enorme e espelhado. Logo me imaginei entrando ali todos os dias. Parecia uma boa ideia. O salário pagaria minhas contas e ainda me permitiria viajar para algum lugar incrível no final do ano. Tipo Londres. Com você. É isso.

No elevador com estranhos. Um silêncio que me incomoda. Posso ouvir a respiração de cada uma das pessoas que estão aqui. Um cara velho com cara de oitenta. Por que ainda trabalhando? Deveria estar no interior com seus netinhos e não no elevador ocupando meu espaço. Também tem um cara barbudo. Consigo ver uma tatuagem no pescoço, meio que fugindo do terno. Aquilo definitivamente não combine ele. Deve ser estar ali pela grana. Ou porque o pai obrigada. E se o velho for pai dele? Eu é que não quero entrar nessa confusão. Meu andar. Até nunca mais, desconhecidos.

O ar condicionado está me matando agora. Coloquei um vestidinho leve e uma sapatilha vermelha. Não sabia que o meu novo ambiente de trabalho fazia cosplay do polo norte. Queria que você estivesse aqui. Não só para me esquentar, mas para me dizer que vai ficar tudo bem. Que é só mais uma entrevista. Pensei em pegar o celular na bolsa para ouvir isso da sua boca e não só da minha imaginação. Mas nesse exato momento, ouvi meu nome ser dito por uma secretária com a voz rouca e um coque enorme no alto da cabeça.

– Sofia Fernandes Torres, sua vez!