De madrugada

27 de janeiro de 2013
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Conto Madrugada

É madrugada novamente na movimentada avenida daquela pequena cidade. Os bares estão cheios e as mesas ocupadas. Uma pequena multidão começa a se aglomerar bem em volta e ocupar um pedaço da rua. Todos, depois de uma semana intensa de trabalho ou estudos, parecem estar onde gostariam de estar, menos os garçons, que já exaustos, perambulam para lá e para cá anotando os novos pedidos. Estamos no verão, no mais quente que a cidade já viu, mas naquela madrugada, fazia frio. Não um frio de sair de casa usando casaco. Era um vento tímido, que mais parecia punição para as garotas solitárias que só queriam chamar atenção com seus vestidos decotados e colados. Às vezes, os dois ao mesmo tempo. Sem julgamentos. Conheço várias delas e posso garantir que são ótimas pessoas. Daquelas que você passa a tarde conversando sobre qualquer assunto e nem percebe. Esses estereotipos só funcionam nos filmes. Na vida real, se você não dá uma chance, desperdiça uma provável ótima amizade. Malu é  uma dessas garotas. Se não me engano, a mais nova no grupo. Não contei? Elas costumam andar sempre juntas, como se fossem para guerra. De Snob e câmera na bolsa. Toc. Toc. Toc. Esse é o barulho dos saltos na calçada. Enquanto conversam, caminham e continuam em frente. Sempre em frente.

Não olha agora. Foi o que uma das garotas disse para Malu ao ver que Gabriel, seu ex-namorado, estava do outro lado da rua conversando com uma ruiva desconhecida. E o pior, com um corpão. Não era ninguém do colégio, era alguém de fora. Tinha certeza. Aliás, a vantagem de morar em uma pequena cidade é saber exatamente o nome e a feição de cada habitante. São sempre as mesmas festas e foi exatamente em uma delas, que tudo acabou. Malu estava em um momento ruim e tudo o que o namorado fazia, parecia motivo para o término. Os atrasos, as espinhas, o estilo musical, os amigos, as mensagens que a acordavam de madrugada e antes eram aguardadas com ansiedade e borboletas no estômago. Foi culpa dela, todos disseram. Perdeu de bobeira o menino mais fofo da cidade. Malu ainda não tinha admitido a culpa, mas era cedo demais para encontrá-lo por aí com alguém. Mesmo se o amor tivesse acabado, o sentimento de posse apareceria e misturaria as coisas. Suas novas amigas, que já passaram pela situação diversas vezes, fizeram de tudo para que o encontro não acontecesse. É inevitável olhar para o outro lado da rua quando se tem alguém com cabelo vermelho cor de fogo. Não, na verdade, cor de ruiva natural. O que é ainda pior porque ela já tinha tentado chegar naquele tom pelo menos cinco vezes, e as marcas das falhas ainda estavam em pelo menos três dedos de cabelo. O dela era natural. E ele certamente, Gabriel aprovava isso.

Continuaram caminhando. Por mais que elas tentassem disfarçar, para Malu, a trilha sonora passou estântaneamente de “Wannabe” das Spice Girls para “All By Myself” da Celine Dion. É óbvio que depois disso a pobre coitada ficou olhando para o lado a cada 20 segundos. Comparando cada partezinha do seu corpo com o da tal ruiva. Ela deve ser chata, não deve beijar bem e ainda por cima ter os dentes podres. Era nisso que ela tentava acreditar até o momento em que Felipe chegou e soltou mais algumas informações: Daniela, 24 anos, advogada e carioca. Tá bom para você? Como competir? Malu era estudante, não fazia ideia do que queria para vida, ainda não estava “pronta” e tinha horário para chegar em casa. Se isso fosse um filme, agora pularíamos para a parte do banheiro. Onde todas elas, já bem bêbadas e com a maquiagem borrada, estariam dizendo bobagens na frente do espelho. Só que antes disso, algumas coisas aconteceram e isso, talvez, só eu saiba. Vamos começar essa história de novo?

O sol nasceu e deixou o céu cor de rosa. Aquele era um sinal de que alguma coisa boa aconteceria nas próximas 24 horas. Dani é supersticiosa e acredita em signos.  Mais um dia de trabalho, voltando para conferir se fechou realmente fechou porta e descendo pelas escadas por estar atrasada demais para esperar o elevador. Segunda andar, um apartamento no Flamengo e o escritório em Botafogo. Enquanto esperava o ônibus, sozinha, tomava um copo de café duplo e lia as besteiras que os amigos mandavam no WhatsApp. Completamente distraída, não percebeu que na sua frente parou um garoto com um mapa na mãos. Já conseguem imaginar o que aconteceu agora? Café na roupa, no mapa, no chão, em todo lugar, menos no copo. Daniela é branca cor de neve e graças ao constrangimento, ficou parecendo uma daquelas garotas que não sabem passar blush. Gabriel tem 19 anos, mas tem cara de 21. Com os olhos verdes e cabelo encaracolados, ficou sem saber o que fazer. Estava atrasado para sua primeira prova de vestibular. Iria prestar UFJR e para a felicidade de toda a família, tinha passado para a segunda fase. A melhor ideia que tiveram foi dividir um táxi. Primeiro o local da prova, depois o escritório, mas antes disso uma boa desculpa que não tenha a ver com um garoto para o chefe.

No carro, conversaram sobre o tempo, sobre provas de vestibular e até fizeram amizade com o taxista. Ela achou o sotaque mineiro dele fofinho. Trocaram telefones e combinaram de se ver depois. Daniela desejou boa sorte e ficou com aquela música romântica que tocou no rádio na cabeça a tarde toda. Naquele mesmo dia, recebeu uma mensagem, que virou um jantar, que virou uma passagem para o interior alguns dias depois. Quem poderia imaginar? Ela pediu um café e ganhou um amor. Digo mais, a gorjeta para o acaso se tornou uma tentativa sincera de viver algo novo sem olhar para trás. Advogadas pensam, manipulam e estão sempre prontas para uma DR. Nada deu certo até então, mas por sorte, Gabriel tinha um mapa.

Depois de dividir o fone de ouvido e ter certeza que aquele garoto tinha o melhor gosto musical do planeta, Daniela conheceu seus pais. Já poderia chamá-los de sogros? Simpáticos, mas assustados.  Afinal de contas, mandaram o filho para o vestibular e na volta, encontram uma ruiva de 24 anos na mala. Depois de uma tarde assistindo a péssima programação da Globo e respondendo perguntas do trabalho, tipo qual o valor do salário, o casal resolveu aprontar para ir até o centro. Lá, encontraram alguns amigos do Gabriel e tiveram que explicar um milhão de vezes o começo dessa história. Tenho certeza absoluta que todos eles ficaram com inveja do garoto. A situação era nova para Daniela, mas a cada segundo, a advogada viajante gostava mais do que estava acontecendo. Era caso ganho.

As histórias de amor perpendiculares, que agora seguem paralelas, não se cruzam mais nesse texto. Porque Gabriel cansou de ficar em casa imaginando o que fez de errado. Escondendo as lembranças em pequenas caixas, pulando suas canções prediletas para fugir de lembranças e adiando um novo começo. O pobre garoto que fez tudo certo para a garota errada, finalmente entendeu como as coisas acontecem. Aprendeu que quanto maior o espaço que deixam na gente, maior a chance de aparecer alguém que se encaixe perfeitamente ali. Afinal de contas, a vida não para por ninguém. Ainda bem!