All Star vermelho

05 de janeiro de 2013
você está lendo All Star vermelho

Desamarrei o cadarço do meu All Star vermelho e fui andando de meia até a cozinha. Minha mãe me mataria se soubesse, mas ela está longe demais e agora quem cuida das minhas roupas é a pobre máquina de lavar. Abri a geladeira e passei o olho em cada partezinha. Nada que fosse gostoso e fosse meu. Talvez umas frutas estragadas ou umas carnes congeladas.  Resolvi beber água. Li uma reportagem dizendo que temos que beber não sei quantos copos por dia. Aquele era o meu primeiro e faltavam minutos para meia noite. Voltei em silêncio para o quarto e fechei a porta. Não era para bater com força, mas a janela estava aberta e o vento resolveu interromper o silêncio de horas do apartamento. Pensei um palavrão bem feio. Em frente ao espelho, tirei a blusa e joguei em algum lugar aleatório. Talvez em cima da montanha de roupas que estava prestes a nascer. Abri a gaveta e busquei por algo confortável. Que não me lembrasse o quanto meu quadril aumentou nos últimos meses. Uma blusa do carnaval de 2008.  Pelo tamanho, provavelmente do meu irmão. Vesti. Abri todas as gavetas do móvel em busca de um elástico. Na última, encontrei um quase arrebentando. Eu nunca gostei do meu cabelo preso, com rabo de cavalo, mas em dias como esses, sei lá porque, sinto vontade de fazer. Fui até a janela e pela primeira vez no ano, reparei nas pessoas. Passando depressa, passeando com seus cachorrinhos ou esperando alguém. O que será que elas estão pensando? Hora dessas, eu queria era ser o professor Xavier. Mas já quis mais. Quando era pequena, por exemplo, e não me encaixava em nenhum grupo na escola. Queria saber o que as garotas pensavam para dizer e me parecer com elas de alguma forma. Bom, acho que hoje descobri e continuo aqui. Sem me encaixar com grupos, lugares e horários. Dizem que é tão fácil. É só continuar sorrindo e concordar. Eu observo, participo, curto, compartilho, mas continuo aqui. Nesse caso, ali, comigo mesma. Olhando da janela para fora. Tentando não olhar só para dentro. Tá frio. Melhor fechar o vidro e deitar. Quanta besteira na cama. Agora, besteiras no chão. Minha cama. Coluna retinha. Que sensação boa. Em pensar que em algum dia da minha vida eu odiei dormir. Opa, quem vai apagar a luz? Aí, meu pé, que bagunça, pisei e quebrei alguma coisa. Espero que não seja meu celular. Cadê meu celular? Onde eu deixei minha bolsa? Tentando lembrar e voltando no tempo. No Sofá. Abrindo a porta do quarto bem devagar e voltando bem rápido para gata não entrar. Aqui está você. Será que alguém ligou? Espero que não. Odeio receber ligações. Nunca atendo nem retorno. Me escreve. Por falar nisso, será que ele enviou uma mensagem? Aposto que percebeu que estava errado. Que foi moleque. Que deveria ter feito alguma coisa para mudar o desfecho daquela noite. Para não ser completo desperdício de maquiagem, que por sinal, eu nem tirei. Meia noite. Em ponto. Nenhuma mensagem. Ninguém pensando em mim. Hora de dormir e fazer a digestão desses sentimentos. Talvez, acordar com amnésia ou ressaca moral. Coluna esticada. Viajando em pensamentos. Em km. No passado. No destino. Nos meus sonhos. Está ficando tarde. Está ficando escuro. Adoro o cheiro do meu travesseiro. O mesmo do meu shampoo. Que droga, do meu shampoo que acabou. Preciso comprar outro logo. Amanhã. Cedinho. Quando eu acordar. Quando.