Adulta de primeira viagem

23 de outubro de 2012
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Dizem que a vida adulta começa quando você termina a faculdade. É mentira. Nada supera o frio na barriga e a responsabilidade de estar prestes a enfrentar seu primeiro dia de trabalho. Principalmente quando essa grana pagará o lugar onde você vai dormir todos os dias e os seus prováveis programas de final de semana. Isso me faz lembrar dos planos que eu costumava fazer com minhas melhores amigas na sétima série. Nós teríamos a profissão dos sonhos, o namorado dos sonhos, o apartamento dos sonhos e dinheiro para fazer viagens pelo mundo periodicamente, e claro, combinarmos encontros. Já que nessa época estaríamos morando em países diferentes.

Bom, como vocês já devem ter sacado, não rolou. O ensino médio não foi o melhor momento da minha vida. Conheci um garoto e fiz algumas besteiras. Acho que dei trabalho demais para os meus pais. Talvez eu tenha sido a ovelha negra da família e meu vô tenha morrido com desgosto. Todos queriam saber qual seria o meu curso na faculdade, e só conseguia pensar no próximo episódio da minha série predileta.

Acho que não nasci com nenhuma vocação. Não sei escrever bem, detesto matemática e sangue me faz querer vomitar por cinco dias seguidos. Isso exclui 90% das profissões legais e emocionantes que existem. É, porque naquela época trabalhar com algo que tivesse rotina parecia inaceitável.

Primeiro fiz faculdade de administração. Desisti na metade. Aí tentei hotelaria. Dessa vez tinha que dar certo. Na época, todas as minhas amigas estavam formando e algumas até já tinham encontrado o amor de suas vidas. E eu morando na casa dos meus pais, com pôsteres colados na parede e uma latinha de Coca perdida em algum lugar do chão. Eu fingia que estava tudo bem. Mas na verdade eu queria morrer todos os dias só de pensar em passar algumas horas presa em uma sala com pessoas que pensavam completamente diferente de mim. Tranquei de novo e por último, tentei publicidade.

Com vinte e poucos anos você já viveu uma boa porcentagem da vida. Não o suficiente para saber o que fazer com ela, mas o bastante para se afastar de certas coisas e pessoas. Sabia muito bem que era privilegiada pela vida que levava, afinal de contas, meus pais nunca me obrigaram a pagar meus gastos. Mas ainda sim, faltava alguma coisa. As saídas no final de semanas eram divertidas, mas vazias. Os caras que conhecia na faculdade eram interessantes, mas eu vivia de saco cheio. Encarando cada acontecimento da minha vida como fosse uma obrigação. Não é legal viver assim. Alguma coisa precisava mudar. Foi aí que, logo depois da formatura, resolvi mudar de cidade e ir em busca de um trabalho que consegui graças a indicação do meu professor de marketing.

Minha nova cidade não fica tão longe de casa. Posso voltar, se quiser. Mas pela primeira vez na vida, sinto que estou vivendo minha própria história e não as consequências por deixar com que as coisas aconteçam por si só. Meu apartamento é pequeno e ainda faltam alguns móveis. Quero dizer, meu lar ainda não tem cara de casa. Minha vizinha é uma velhinha simpática que tem dois gatos de estimação. Não me acostumei com o fato de ter que andar pra lá e pra cá de metrô. Multidões me assustam. É meio assustador saber que as pessoas ao meu redor não me conhecem ou se importam comigo. Sentimento de filha caçula, né? Eu sei. Mas vai passar. Assim como o medo de dormir sozinha. O medo de altura em um prédio no décimo terceiro andar.

Bom, chega de papo. Falta pouco para minha estação. É o meu primeiro dia e eu estou vestindo meu vestido predileto. Maneirei na maquiagem e escolhi aquela sapatilha antiguinha que não machuca. Meu perfume tá ok, ninguém espirrou quando passou por perto. Juro. Ai, espera, é essa. Licença, vou descer. Obrigada! Próxima estação: Vila Mariana.