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Você poderia ter ligado no dia seguinte. Nós teríamos rido dos acontecimentos da noite passada e então você diria que quer me ver, marcaríamos de comer e beber com seus amigos em algum barzinho de gente comum e feliz. Lá você ficaria me olhando com aquela cara que só você faz e eu descobriria que seus amigos são meus amigos. Você me levaria para casa e eu te daria um beijo leve de despedida.

Nos veríamos outras vezes e descobriríamos que nos damos bem. Você descobriria que eu amo homens de camisa branca, adoro fazer um cafuné e sei tocar violão. Eu descobriria que você fica ótimo de camisa branca, que você ama receber um cafuné e que até que é afinado.

Numa sexta-feira você me chamaria para jantar, num desses lugares que podemos dançar, rir e falar alto e usar sapato baixo, porque você saberia que é disso que gosto. Depois do jantar você me levaria numa brownieria e pediria dois brownies caprichados para viagem. Então você me levaria para a cachoeira, comeríamos nossos brownies e veríamos as estrelas. Você iria rir do chocolate no meu dente e eu não ligaria. Então você me contaria seus medos, suas manias, do bolo de chocolate da sua mãe, do churrasco do seu pai e das suas histórias de infância. Então você olharia nos meus olhos e diria “nunca trouxe ninguém aqui” e nos beijaríamos.

Passariam dias, semanas, meses e você descobriria que não precisava abrir mão do trabalho, dos amigos e das noites de shows, festas e bares, porque antes de qualquer coisa, seriamos amigos, parceiros. Pois eu e você topamos tudo, somos pau pra toda obra, e você sabe disso.

Então, num desses feriados prolongados nós viajaríamos com nossos amigos para a casa de praia dos seus pais. Eu descobriria que você cozinha bem, mas é desorganizado e discutiríamos porque você bagunçou toda a cozinha que eu arrumei. Eu sairia batendo pé, com meu temperamento difícil que você sempre soube lidar, e você começaria a rir, me puxaria e me daria um beijo. Depois do almoço eu deitaria no sofá, com os pés em cima de você e te contaria meus segredos, sobre minha família e tudo que me faz chorar, então você diria que sempre há uma razão para sorrir. Nós prometeríamos um ao outro prometer apenas o alcançável, nada de declarações de amor eterno. Começaria a passar o Domingão do Faustão e eu cairia no sono. Quando eu abrisse os olhos, todos estariam na varanda ouvindo Cazuza e bebendo, eu subiria, tomaria meu banho e escovaria meus dentes. Você sabe que gosto de carinho ao acordar, mas permita-me escovar os dentes antes. Você sabe, não é? Não?! Se tivesse ligado saberia…

Mas enfim, eu desceria e iria a varanda te abraçar por trás, te dar um beijinho e dizer “estou muito feliz” e você diria “não, você é muito feliz”.

O tempo passaria, as pessoas iriam perguntar sobre nós e sempre diríamos “somos amigos”, porque somos amigos e porque nós dois saberíamos o que eramos e tínhamos, não era preciso dar um nome ou explicar.

Chegaria o aniversario do seu pai e você me chamaria para o jantar em família. Eu conheceria seus tios, avós, primos e toda a parentada. Você me apresentaria como sua namorada e eu acharia engraçado. Mais uma vez me deixaria em casa e, antes que eu saísse do carro, você me abraçaria e diria apenas “obrigado”. E eu entenderia. Nós entenderíamos e seria sempre assim, sempre.

Você poderia ter ligado no dia seguinte e hoje nesse domingo chuvoso, eu ligaria e diria “quero te ver” ou qualquer coisa, mas soaria normal, porque seria normal. Seria.

É… Você poderia ter ligado no dia seguinte.