Vértices de um amor

10 de outubro de 2010
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Naquela manhã acordei como se tivesse acabado de fechar os olhos – eu realmente precisava levantar daquela cama? Bem, o meu despertador jurava que sim. Quem precisa de um bom dia? Ignorar broncas, tropeçar em um sapato jogado no chão e abrir a geladeira sem sentir vontade de comer absolutamente nada parecia muito apropriado para uma segunda-feira pós término de namoro.

Que tal um banho? Chorar enquanto a água do chuveiro escorreria sobre o meu corpo parecia uma proposta tentadora, mas minha promessa de não mais deixar escapar tristeza em forma líquida a tornava impossível. Um banho rápido, uma roupa qualquer e um blush – quebrado – no rosto.

Eu realmente gostaria de ter me lembrado onde coloquei o outro pé do meu All Star na última sexta. Tanta coisa que eu gostaria de esquecer, por que meu cérebro – e meu coração – insistem em guardar apenas coisas idiotas? Bom, ótimo. Lá estava ele, bem na minha cara, debaixo do meu vestido preto jogado embaixo da cadeira. Por que – mais uma vez – eu não lembro como ele foi parar ali? Talvez eu tenha passado o final de semana ocupada demais tentando parar de chorar.

Bem, hora de partir, eu ainda não era rica o suficiente para não ir pra aula. Naquele dia o caminho até o colégio parecia mais comprido do que de costume, as árvores que antes me cumprimentavam pareciam rir da minha cara:
– Aquela não é a idiota que perdeu o namorado para a melhor amiga?

Uma vantagem de chegar atrasada: poucas pessoas no corredor. Eu realmente não queria conversar com ninguém sobre o que havia acontecido no final de semana. Eu poderia guardar esse segredo pra sempre. Mas bem, para isso eu teria que matar todos os envolvidos, e eu realmente não queria olhar na cara desses até o dia em que eu me tornasse uma garota invejável e estivesse em pelo menos dez capas de revista diferentes. Nunca.

– Desculpe pela demora professor, posso entrar?

O fundo parecia o lugar mais apropriado para mim naquele momento, embora o meu lugar ainda estivesse aparentemente vazio. Vejo que eu não fui a única a chegar atrasada.

Contas. presidentes. átomos.

Isso foi sinal do intervalo? Ninguém sentiria minha falta lá fora e eu realmente estava com sono. Quinze minutos de uma soneca sem interrupções…

– Danie, você está bem? – Aquela voz era familiar, aquele cheiro também.
– Matt, não acredito, você voltou! – Aquele foi o abraço mais forte que dei em toda a minha vida.
– Você não sabe o quanto senti sua falta.
– Na verdade eu sei, eu senti isso ao quadrado.
Eu estava quase chorando, quando lembrei o quanto consigo ser engraçada – e não idiota – com aquele cara por perto. Eu realmente senti falta do melhor amigo.
– Quando você voltou? Porque não me ligou ou mandou um e-mail? Eu realmente precisei de você nesse final de semana.
– Eu queria fazer uma surpresa, e você sabe, eu não queria causar problemas com você e o… Ele não terminou a frase, abraçou-me novamente e disse que agora tudo ficaria bem, ele realmente estava de volta.
Quinze minutos se passaram tão rapidamente.
Enquanto ele trazia a carteira para o meu lado, notei o quanto seus músculos tinham crescido nesse tempo que estivemos longe um do outro. Eu poderia fingir que aquele peitoral era um enorme travesseiro e chorar até que minhas últimas lágrimas secassem.
Durante as duas últimas aulas, ele me contou sobre a sua viagem e como foi incrível conhecer o outro lado do planeta.
– A propósito Danie, o que você fez nesses últimos meses?
– Perdi minha virgindade com um idiota que me trocou por minha melhor amiga, ou perdi minha melhor amiga para um idiota que tirou minha virgindade. Como preferir.
– Ele apertou minha mão e sorriu como se nada daquilo fosse importante. Eu realmente queria acreditar nele.
– Você almoça lá em casa hoje? Minha mãe vai adorar te ver.
– Eu realmente não posso, tenho que resolver algumas coisas com o diretor e depois ensaiar. – Eu tinha me esquecido que o meu melhor amigo agora era um ator de verdade.
– Te vejo mais tarde então?
– Eu passo na sua casa a noite, como sempre.
Embora ainda existisse algo morto entre meu estômago e meu coração, eu me sentia melhor. Jogar a mochila no sofá, comer sem respirar e deitar na cama até eu sentir vontade de levantar. Novamente, nunca.

And it breaks my heart, and it breaks my ha-ah-ah, art, And it breaks my ha-ah-ah, ah-ah-aart – Esse é o meu celular e essa é a mania que ele tem de tocar sempre que eu não quero atender.
Vejam, era o número de uma dos vértices do meu triângulo amoroso. Desgraçado.

Eu não via problema em deixar o celular tocando, afinal, aquele toque era minha música predileta. Regina Spektor me entenderia.

Eu voltaria a dormir, se minha não tivesse gritado:
– Danieeeeeeeee, alguém está na porta chamando por você.
Eu sempre odiei os gritos da minha mãe, mas aquelas palavras foram realmente necessárias. Levantei correndo e fui a caminho a escada, tinha que ser o Matt. Enquanto ele subia, eu – como de costume – sentei no último degrau, aquele era o nosso local preferido da casa. Sempre ficávamos conversando por – imperceptíveis – horas. Embora eu estivesse feliz pela presença daquele meu velho – melhor – amigo, comecei a sentir um estranho enjôo no estomago. Era hora de desabafar, de mexer em feridas que ainda sangravam dentro de mim. Mas tudo aquilo era preciso: Matt era o meu Merthiolate.
– Que bom que você chegou.
– Desculpa pela demora, você sabe como é o diretor, esquece de parar de falar. Mudando de assunto, acho que precisamos conversar sobre assuntos seus. Quero você desabafe, chore, me abrace, me morda e grite.
– Matt, sei perfeitamente que em algum momentos tocaríamos nesse assunto. Você se importa se eu não entrar em detalhes? É tudo muito recente e estranho pra mim.
– Claro que não Dan, os detalhes seus olhos me dizem. Não se preocupe, conversaremos quando você puder e quiser. Ah, quase esqueci, trouxe sorvete de creme, embora eu ainda não tenha encontrado gosto nesse sabor, sei que é o seu predileto.
Enquanto preparava os potes para colocar os sorvetes, fui desabafando.
– Sabe Matt, é como se eu tivesse perdido meu dois braços, e acredite, a parte realmente difícil é não poder pegá-los de volta. Dói tanto que eu tenho vontade de esquecer e ligar para os dois fingindo que nada aconteceu.
– Mas é claro que você não vai fazer isso…
– Eu nunca fui a melhor namorada do mundo, muito menos a melhor amiga, mas juro que fiz tudo que podia para ser e fazer feliz. É realmente muito estranho ver duas das pessoas que mais amo no mundo se amando.
– Veja pelo lado bom, você me ama e eu te amo. Somos uma dupla como nos velhos tempos, você lembra?
Eu conheço o Matt desde quando eu usava óculos e andava só de calcinha pela casa. Sua mãe o trazia para brincar com meu irmão, mas ele nunca foi muito fã de videogames. Nossas brincadeiras inventadas sempre foram mais interessantes. Embora eu tivesse tudo a ver com aquele cara e o perfume dele fosse viciante, sempre o enxerguei como melhor amigo. Ele era sinônimo de sorriso, não de beijo.
Conversávamos sobre coisas aleatórias até que o meu celular tocou novamente. Matt olhou para mim como se quisesse dizer: “Eu sei que é ele, quer que eu faça alguma coisa?” eu apenas balancei a cabeça fazendo um sinal positivo.

– A Danie está ocupada demais – sendo feliz – para falar com lembranças idiotas como você.

Eu estava? Bem eu estava.

(Continuação)